quinta-feira, 1 de julho de 2010

"Para que serve o arrependimento, se isso não muda nada do que se passou? O melhor arrependimento é, simplesmente, mudar."


Parece apenas um gracioso jogo de palavras, um brincar com os sentidos que elas têm, como nesta época se usa, sem que extremamente importe o entendimento ou propositadamente o escurecendo. É o mesmo que gritar um pregador para a imagem de Santo António, clamar na igreja, Negro, ladrão, bêbedo, e, tendo assim escandalizado o auditório, explica a intenção e o artifício, mostra como toda a apóstrofe foi aparência, agora sim vai dizer porquê, Negro porque tivera a pele tisnada pelo demónio que lhe não conseguira enegrecer a alma, ladrão porque dos braços de Maria roubara seu divino filho, bêbedo porque vivera embriagado da divina graça, mas eu te direi, Cuidado, ó pregador, que quando fazes virar ao conceito os pés pela cabeça estás dando involuntária voz à tentação herética que dorme dentro de ti e se revolve no sono, e clamas outra vez, Maldito seja o Pai, maldito seja o Filho, maldito o Espírito Santo, e logo acrescentas, Bradam os demónios no inferno, e dessa maneira julgas escapar à condenação, mas aquele que tudo vê, não este cego Tobias, o outro para quem não existem as trevas e a cegueira, esse sabe que disseste duas verdades profundas, e das duas escolherá uma, a sua, porque nem tu nem eu sabemos qual é a verdade de Deus, muito menos se é verdadeiro Deus.
Memorial do Covento

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Os manuscritos de Drummond

A Revista Veja de 11 de novembro de 2009 divulgou que foram encontrados poemas inéditos de Carlos Drummond de Andrade, escritos ainda na juventude do poeta. O dono da proeza foi o Professor de Literatura da UFRJ e diretor da Comissão de Publicações da Academia Brasileira de Letras, Antônio Carlos Secchin.

Drummond é um dos poetas mais populares da literatura brasileira, considerado um dos maiores da América Latina. Integrou o Segundo Tempo do Modernismo brasileiro, abordando temas que vão desde a terra natal (Itabira - MG), passando pela questões sociais de sua época, até os dramas existenciais do homem e as brincadeiras com a linguagem, seguindo a linha de escritores que entendem o fazer poético como um árduo trabalho intelectual. Sua obra também pesquisa intensamente o que é a verdadeira essência da poesia, o que o torna um poeta metalinguístico importantíssimo para o entendimento do que é a poesia após a rebeldia da Primeira Geração Modernista e ponto de referência para muitos autores a partir da Geração pós-1945 (inclusive vários contemporâneos). Resumindo: em matéria de poesia moderna, se ele não for O CARA, é pelo menos um desses caras.

Os poemas encontrados foram escritos na década de 1920. O sapeca do Drummond pediu para sua namorada, na época Dolores Dutra de Moraes, que datilografasse seus manuscritos. O legal da história é que são poemas meio adolescentes, segundo o próprio Drummond, que comentou seus escritos em 1937. É o cara maduro analisando sua poesia da época de iniciante. Segundo o Professor Secchin, ainda são poemas impregnados de influências simbolistas, embora já com versos livres. Drummond fez umas comparações meio clichês em alguns deles. Na época, Drummond chegou a dizer que "o que há de mais deplorável nesses versos é que eles são autênticos".

Olha aí um comentário manuscrito:



"Tradução": "Se um inimigo apanhasse esses versos..."

Para saber mais, consulte:
veja.abril.com.br/111109/drummond-antes-de-drummond-p-204.shtml
O fac-símile aí de cima está lá, bem como outros deles.

Lembre-se de que Drummond e ENEM sempre combinaram muito bem! Divirtam-se com os livroclips aí embaixo. Abraços!



Esse é um joguinho, muito legal:

terça-feira, 13 de outubro de 2009

A CIDADE E AS SERRAS X CAPITÃES DA AREIA


Saber ler uma lista de obras literárias é, também, saber perceber certas semelhanças entre elas.
Na obra A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, Jacinto toma consciência social ao visitar o alto de Montmarte, vendo Paris de cima. Quem o desperta para essa consciência é o narrador da obra, Zé Fernandes. Jacinto, até então defensor máximo da "suma ciência" e da "suma potência", não tinha a mínima consciência de que a cidade poderia ser uma ilusão, além de não saber que, para que pudesse gozar dos confortos da civilização, havia pessoas que se sacrificavam - os pobres trabalhadores. Sua alienação era tão grande que nem sequer havia pensado nisso. Porém, uma vez desperto para essa grande verdade, assume a responsabilidade de levar benfeitorias sociais para os campos de Tormes, melhorando a vida de muita gente e passando a ser visto como uma espécie de reencarnação de Dom Sebastião. Por onde passava, era reconhecido como o "pai dos pobres".

Trajetória semelhante percorre o herói de Capitães da Areia (Jorge Amado) - o menor abandonado Pedro Bala. Filho de um grande grevista que morrera em função de lutar por seus ideais, ele passa de menor abandonado a ícone da luta contra as injustiças sociais. É elevado à categoria de símbolo social no capítulo "Destino", conversando com João de Adão. Observe o trecho:

Numa mesa pediram cachaça. Houve um movimento de copos no balcão. Um velho então disse:
- Ninguém pode mudar o destino. É coisa feita lá em cima – apontava o céu.
Mas João de Adão falou de outra mesa:
Um dia a gente muda o destino dos pobres...
Pedro Bala levantou a cabeça, Professor ouviu sorridente. Mas João Grande e Boa-Vila pareciam apoiar as palavras do velho, que repetiu:
- Ninguém pode mudar, não. Está escrito lá em cima.
- Um dia a gente muda... – Disse Pedro Bala, e todos olharam para o menino.


E, de fato, tranforma-se num símbolo da luta contra a opressão e as injustiças sociais. Quem diria!!! Observem só o "parentesco" entre Jacinto e Pedro Bala.

Bons estudos!!!

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